JULGAMENTOS DA HISTÓRIA | 1. VOLTAIRE, CALAS E A PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

Toulouse, França. 1762. Jean Calas, um comerciante de tecidos huguenote, é torturado e executado em praça pública, acusado de matar o próprio filho. Os Calas pertencem a uma minoria religiosa perseguida e tudo indica que o velho negociante foi condenado antes mesmo de poder defender-se. A família cai em desgraça. No entanto, um aliado improvável descobre acidentalmente a sua história e decide pegar no caso Calas a fim de o tornar numa das maiores campanhas de sempre pela reforma da justiça.

Esse aliado é o famoso Voltaire, e o seu objectivo é simples: provar a inocência de Jean Calas.

Ouve o episódio em baixo ou acompanha-nos no Spotify, Apple Podcasts, ou qualquer outra plataforma de podcasts.

Para se não puderes ouvir já...fica o aperitivo

Há trinta anos que Jean Calas vivia no centro da cidade de Toulouse, mais precisamente no número 16 da Rue de Filatiers. Jean era um comerciante de tecidos, especializado em estampas de algodão e chitas, e por isso relativamente abastado. A maioria dos habitantes da cidade só podia sonhar em entrar, quanto mais viver, numa casa como a sua. A loja funcionava no rés-do-chão e a família vivia nos dois andares superiores, transformando a actividade de Jean num verdadeiro negócio de família. Os filhos mais velhos, Marc-Antoine, de 28 anos, e Pierre, de 27, trabalhavam na loja do pai a atender clientes; e no andar de cima, Anne-Rose, a mulher de Jean, mantinha a vida doméstica em ordem com a ajuda de uma velha criada católica chamada Jeanne Viguière. Além dos irmãos mais velhos, viviam também na casa Donato, de 20 anos, e as duas irmãs mais novas, de 18 e 19 anos, ainda sem casamento prometido.

 

O único dos seis filhos de Jean e Anne-Rose que já tinha saído de casa chamava-se Louis Calas, de 25 anos. Todo o bairro conhecia as desavenças entre pai e filho, que ecoavam antigos conflitos na sociedade francesa. Os Calas eram huguenotes, um ramo francês do Protestantismo que, na segunda metade do séc. XVIII, sofria as consequências de habitar num país esmagadoramente católico com uma longa história de violência contra as minorias religiosas. Entre 1562 e 1598, as chamadas Guerras Religiosas dividiram os franceses Católicos e Protestantes numa sangrenta guerra civil, incluindo batalhas, massacres e milhões de vítimas mortais, terminadas apenas quando o Rei Henrique IV, um huguenote convertido ao catolicismo, garantiu uma série de direitos políticos aos protestantes através do Édito de Nantes.

 

Mas apenas vinte anos depois, os Huguenotes revoltaram-se contra a Coroa Francesa e voltaram a ser severamente reprimidos. A partir de 1681, Luís XIV iniciou uma perseguição sistémica aos protestantes franceses, incluindo forçá-los a converter-se ao catolicismo sob pena de violência física ou perda dos seus bens. Muitos huguenotes fugiram para outros países europeus; outros, conseguiram resistir. Cem anos depois, a família Calas, como todos os protestantes, estava proibida de celebrar qualquer culto, e até as propriedades que podiam comprar e vender, ou as profissões a que podiam aceder, eram controladas por lei. Em Toulouse, havia apenas 200 protestantes para 50 mil católicos; e estes últimos podiam respeitar os seu negócios, as suas famílias e a sua educação mas nunca aceitariam o facto de serem protestantes. Os huguenotes como Calas viviam completamente à mercê da tolerância dos outros.

Ainda queres saber mais? Vê os links úteis abaixo:

Link 1:

Link 2:

Link 3:

Link 4:

Link 5: